RATATÁ FUTEBOL CLUBE

RATATÁ FUTEBOL CLUBE

sábado, 17 de setembro de 2011

Com orgulho do passado de dificuldades, Magrão joga em nome dos filhos

- Você não é playboy. Seu sangue é de favelado. Você pode estar em um colégio bom, mas seu sangue é da favela. Seu pai veio da favela.

A frase acima é um resumo da personalidade de Magrão. Ela carrega, na mensagem, o apego do jogador a suas raízes. E apresenta, no destinatário, a maior preocupação da vida dele. A frase é dita rotineiramente por Magrão a seu filho mais velho, Matheus, de 11 anos. O garoto e seu irmão mais novo, Pedro, de cinco, são a razão de o camisa 11 do Inter pisar em um campo de futebol. Os nomes deles estão tatuados nos braços do atleta. É por eles que o volante joga. E é neles que Magrão quer ver refletido o orgulho por um passado de dificuldades e alegrias na periferia de São Paulo.

Nesta quarta-feira, após o treinamento da tarde, o jogador conversou com a reportagem do GLOBOESPORTE.COM no pátio do Beira-Rio. Na entrada da noite, enquanto uma chuva fina caía sobre o estádio já quase deserto, Magrão falou sobre a importância dos filhos e o passado na favela de Heliópolis, uma das maiores de São Paulo, e relatou os episódios que formaram sua personalidade. Em cada bola disputada pelo jogador, talvez esteja um pouco do que ele viu quando criança. Em cada dividida, pode estar um dos vários amigos mortos por causa do tráfico de drogas.

Orgulhoso do passado e jogando em nome dos filhos, o atleta voltou ao time do Inter como destaque. Foi o melhor em campo contra o Avaí, em mais um passo para ter, no fim do ano, mais um título para dedicar a Matheus, a Pedro e à comunidade onde aprendeu a ser Márcio Rodrigues antes de virar o Magrão.
GLOBOESPORTE.COM: Em grandes vitórias, em jogos importantes, você costuma dedicar as conquistas a seus filhos. Sua vida no futebol é movida por eles?
Magrão: Tudo vem deles. Eu não jogaria futebol, talvez, se não fossem eles. Eu comecei a treinar, comecei a correr pelo Matheus. Eu não sabia marcar, era um atacante muito ruim que dava carrinho nos zagueiros. Comecei a marcar forte, a ser viril, por ele. Não queria perder por causa dele. Nunca quis que meus filhos passassem pelo que passei. Sempre que tenho uma vitória, que faço um gol, é para eles, até pela ausência, por estar sempre jogando. Tenho meu pai e minha mãe, que amo demais, mas meus filhos são tudo. Qualquer jogo importante, qualquer gol é para eles. Eles são meus ídolos. Sou fã deles.

Seu primeiro filho nasceu quando você era muito jovem. Isso foi determinante para você seguir na carreira?
Eu tinha 18 anos quando nasceu o Matheus. Quando você é moleque, precisa de um motivo para tudo. Eles foram meus motivos. Matheus foi meu primeiro motivo. Depois, o Pedro. Se não fossem eles, eu não seria jogador. Não teria ido para seleção, não teria jogado em Palmeiras e Corinthians, não teria chegado ao Inter. Se não fossem eles, não chegaria a isso.

Como foi sua infância na favela?
Foi pobre, mas feliz. Fui criado em São João Clímaco, perto de Heliópolis. Toda semana, ia para a favela. Me orgulho de ter sido criado lá dentro. Tive momentos conturbados, passei algumas coisas. Vemos coisas tristes, de briga. Agora mataram uma moradora. Isso me deixou triste. Sou de lá. Eu poderia ter tomado esse tiro. Me solidarizo com a população, com a comunidade. Fui criado lá, com muitas dificuldades, mas sempre de forma honesta. E feliz. Quem mora lá não é triste. Pensam que são todos bandidos, mas não é nada disso. Quem mora lá também é feliz. Quando criança, jogava bola descalço na terra, na lama quando chovia. Fui muito feliz. Não posso reclamar disso.

E isso é algo que você mostra para seus filhos...
No fim do ano, levei o Matheus lá. Ele gosta. Minha mãe está sempre lá. Ele sabe de onde veio. Eu sempre mostro. Tento dar uma vida legal para meus filhos, mas mostrando que nossa origem é de lá, que os primos são de lá.



Você tem notícia de seus amigos de infância?
Falo com a maioria. Muitos morreram. Lá, não tem muita opção. No fim do ano, vi uns primos, uns amigos que não via há cinco, sei anos. O pessoal do Ratatá (time de lá) fez uma festa de aniversário pra mim. Meu chaveiro é de lá. É Ratatá Heliópolis. Mas muitos morreram. Acho que uns 60% deles morreram. Uns cedo, outros depois. Vi muito amigo morrer perto de mim, entrar no bar e o cara sair furado, sem poder fazer nada, nem levar pro hospital. Muito amigo morreu na minha frente. Depois, já jogando futebol, fiquei sabendo que muitos outros morreram também. Meu pai sempre me ensinou a ser correto, e eu tento passar isso a meus amigos, a meus primos, meus filhos. Eu sou a prova de que dá para fazer alguma coisa. Dá para sair. Dá para conseguir, sem largar a origem.

Você dedica os títulos a seus filhos. Acha que vai ter mais um a dedicar no fim do ano?
Dediquei a Sul-Americana a eles. Se eu for campeão, com certeza. Se eu for, será para eles. É complicado, tem três ou quatro equipes que vão brigar. O Corinthians sempre chega, o Goiás é forte, mas se conseguir, é para eles. Agora eles começaram a me colocar no time deles do Cartola. Antes, estavam me tirando. Agora me colocaram de novo, e eu pontuei bem essa semana (risos).


Alexandre Alliatti Porto Alegre

Nenhum comentário:

Postar um comentário